domingo, 25 de novembro de 2007

O jardineiro fiel



A cabeça ou qualquer lugar do corpo dói um pouco mais do que o normal e vamos ao médico para que ele num passe de mágica resolva nosso problema. A figura do “doutor” é quase um super-homem diante da doença, principalmente as corriqueiras. Saímos do consultório com um monte de nomes indecifráveis, mas que, felizes, esperamos ser sinônimo de cura. E na nossa cultura saúde=medicamento é provável que se a receita fosse apenas “repouso” saíssemos falando que ele comprou o diploma.


Isto é tão normal que nunca paramos sequer para pensar: Quanto vale realmente a vida humana para a indústria farmacêutica? Esta é a reflexão do filme O jardineiro fiel, um manual de instruções a todos nós, culturalmente instruídos para ingerir cápsulas de “salvação”.


Para a maioria dos grandes laboratórios farmacêuticos, desenvolver e comercializar uma droga capaz de combater doenças com grande ocorrência pode gerar fortunas incalculáveis, bilhões de dólares. Infelizmente, é mais comum do que pensamos que cheguem até nós remédios que não foram suficientemente testados e cujas conseqüências a curto e longo prazo são imprevisíveis.


Foi isto que constatou Tessa Quayle, esposa de um diplomata britânico que trabalhava no Quênia. Ela decidiu investigar os procedimentos de uma companhia que estava testando um remédio contra a tuberculose na população, suspeitando de que os habitantes mais miseráveis do país estivessem servindo como cobaias de um experimento sem a menor segurança.


Com a ajuda do médico Arnold Bluhm ela trava uma verdadeira batalha para provar a culpa do laboratório ao governo britânico. A história é real e transformou-se também em livro escrito por John Lê Carré. Foi o livro que deu origem ao roteiro, cujo desfecho é quase esperado. Tanto que o fim é o início do filme – um assassinato brutal. E a partir dele o relato de todo o esforço de Tessa para provar a denúncia, e do marido para vingar o assassinato.


Só por isto você já deveria assistir ao filme, mas ainda há outro argumento: a direção é do brasileiro Fernando Meirelles, que transforma o filme em uma super produção, sem minimamente apelar para o Cinema do primeiro mundo, que costuma maquiar até mesmo a mais brutal das realidades.


O jardineiro fiel consegue ser uma ótima produção, aliando boas imagens e responsabilidade social. Não que todos os remédios e laboratórios sejam uma fraude, muito pelo contrário. A vida de muitas pessoas depende de remédios que realmente são eficazes, e ninguém discute que uma aspirina é um santo remédio nos dias em que nossa cabeça parece querer explodir. Porém, é preciso tomar cuidado com os excessos e procurar profissionais de confiança, que trabalham com isso e sabem as “contra-indicações” de cada produto.


Os riscos foram reduzidos e a maior parte dos países, inclusive o Brasil, adotou leis rígidas para a condução dos testes para menor risco ao paciente. Porém, sabemos que, por exemplo, o Brasil tem uma das mais avançadas legislações ambientais do mundo e mesmo assim é o maior devastador de florestas do planeta. As leis pouco ou nada valem diante de fiscalização insuficiente e, principalmente, da corrupção. É preciso estar atento e não se calar diante de qualquer suspeita.


Ah, e também dar um beijo estalado no médico ou farmacêutico quando ele receitar apenas algumas noites de sono e muita água.


Ok, retire o beijo estalado... um sorriso feliz está de bom tamanho. Mas feliz, hein.


Play. Bom filme!

sábado, 10 de novembro de 2007

Brilho Eterno de uma mente sem lembranças

Ah, se tudo se resumisse a selecionar e apertar a tecla “del”...faríamos algumas pastas, compartimentos secretos, e para a lixeira iria tudo aquilo que povoa de ‘vírus’ nossa memória.
Uma demissão. Uma decepção. Uma ausência. Sobretudo, aquela dor insuportável que aperta o coração quando o amor não é mais amor. E como custa a passar. Dói o cotovelo, o ombro, a cabeça, a alma.

Possível? Sim, pelo menos na cabeça do roteirista Charlie Kaufman, de “Brilho eterno de uma mente sem lembranças”, dirigido por Michel Gondry. Alguém aí quer marcar hora?

Quanto custa? O próprio filme conta. Custa dezenas de piqueniques. Centenas de noites de amor. Milhares de beijos de cinema. De potes de sorvete. De barras de chocolate. De jantares românticos. Coloque tudo isso na poupança, junte as lágrimas que você derramou e aquela dorzinha e troque pela paz.

Confesso que não me impressionei com o tamanho da fila de espera de pessoas que desejam apagar lembranças indesejáveis.

Após juntar tudo. Presente, roupas, fotos, músicas, tudo mesmo, Clementine (Kate Winslet), decide apagar Joel (Jim Carrey). Quando o moço descobre, após tentativas frustradas de reconquistá-la e muitos soluços abafados pelo travesseiro, decide fazer o mesmo.

Quase a totalidade do filme se passa, então, na mente de Joel, enquanto desesperado percebe que “deletar” tudo da memória não era bem o que queria. Aos poucos toma consciência de que é parte da própria vida que está apagando. Queria que a dor passasse, que o amor acabasse, e não que parte de si se esgueirasse, como um ratinho que foge da ratoeira e some.

Na hora do desespero, todos somos um pouco Joel e Clementine. Muitos de nós estaríamos na fila, se o processo existisse de fato.

É ficção, comédia, drama, mas, sobretudo, uma linda história de amor que tem todos os argumentos possíveis para ser real. Nada de tudo certinho, beijos apaixonados e um jantar a luz de velas para finalizar o conto de fadas. Mas dificuldades, discussões, dor, insegurança, a consciência de que o outro não é a perfeição em pessoa e ainda assim um amor incondicional. Alguém já ouviu essa história antes?

Viver nunca é fácil. Amar, menos ainda. Encontramos no filme um motivo para refletir sobre as relações cada vez mais superficiais. Alguns “pés-na-bunda” e somos compelidos a um contingente de pessoas cada vez mais receosas, que namoram esperando nada, casam já pensando que se não der certo há a separação. Errando a gente aprende. Você já ouviu isto milhares de vezes. Chorar faz parte da vida, assim como sorrir ou dormir. Pergunte a um velhinho de 90 anos qual é a coisa mais importante e ele lhe dirá, sorrindo.

Amar sem medo de se entregar é algo cada vez mais raro. Confundimos compromisso com prisão e na busca da liberdade nos tornamos prisioneiros do medo de sofrer. Carlos Drummond de Andrade resume este sentimento a uma frase "A conquista da liberdade é algo que faz tanta poeira, que por medo da bagunça, preferimos, normalmente, optar pela arrumação."

No nosso mundinho arrumado, embora sempre tendo que ser restaurando, estancando brechas que deixam a enchente do amor passar, o filme deixa claro que podemos apagar as memórias da mente, mas jamais os sentimentos da alma.

Assisti ao filme a pouco mais de uma semana, mas aqui está ele. Ajudando para que as palavras se combinem, tomando café comigo, indo para a cama, e me ajudando a organizar minha bagunça diária ou não ter medo da desordem.

E o amor... ah, o amor...

"...que não seja eterno, posto que é chama,mas, que seja imortal, infinito, enquanto dure..." (Vinícius de Moraes)

Reine Sobre Mim

O pai. A mãe. O marido. O filho. Família. Quando questionados, sem titubear pronunciamos orgulhosos, olhos brilhantes e o coração apertado, que ela é a base de tudo. A força que nos faz caminhar, e, sobretudo, que nos faz levantar depois de fraquejarmos e irmos de encontro ao chão. Não conseguimos imaginar o abismo de tristeza e o vazio que seria sem essas pessoas na nossa vida. Quando elas se vão, temos um filme como “Reine sobre mim”, triste e, ao mesmo tempo, fascinante.

Charlie Fineman (Adam Sandler) é um homem que perdeu a esposa e as 3 filhas nos atentados de 11 de setembro, em Nova York. Desde então, lida com isso da forma que nos parece menos dolorosa possível: convence a todos, e todos acham que até a si, que não lembra de nada nem ninguém. (Isso me lembrou “Brilho eterno de uma mente sem lembranças). Apagou a todos de sua vida, e mais, renunciou a ela, amigos, profissão e todos os que poderiam ajudá-lo.

Nesta trama surgem aqueles que muitos chamam de anjos (verdadeiros) ou simplesmente amigos, com tudo o que esta definição implica. Alan Johnson (Don Cheadle), ex companheiro de quarto de Charlie dos tempos da faculdade, o reencontra e assume a difícil tarefa de tentar libertar o amigo da fantasia que transformou sua vida, sem se dar conta que está transformando também a própria vida.

Deslizando com um patinete motorizado pela cidade escura, quase vazia, Charlie encontra, finalmente, alento, paz. Isto numa amizade que não tem fronteiras, nem tamanho estimado, muito além da distância que o patinete pode percorrer. Amizades raras no nosso dia a dia, onde estamos preocupados demais conosco para perceber problemas maiores para os quais podemos ser a solução.

“Abraço Grátis”. Foi com um cartaz com este dizer que me deparei neste fim de semana. Ganhei um abraço de um desconhecido e ganhei o dia. Por um longo tempo fiquei pensando em como perdemos a capacidade de enlaçar. Cada vez mais abraços são símbolos de reencontros e partidas, enquanto ali, do nosso lado, pessoas precisam de carinho e atenção ou apenas um abraço. Pense nisso...

Play! Bom filme!


Ficha Técnica:

Título Original: Reign Over Me
Direção: Mike Binder
Roteiro: Mike Binder
Elenco: Adam Sandler,Don Cheadle,Jada Pinkett Smith,Liv Tyler, Donald Sutherland
Duração: 124 min
País de origem: EUA
Língua: Inglês