Um assalto acontece do lado de casa, isso quando não é conosco. Imediatamente, discamos “190” e a Polícia é chamada. Em nossas pequenas cidades, em que Chapecó é a maior referência, ainda nos sentimos seguros quando uma viatura passa com a sirene ligada e estaciona perto de nós. Ali está a segurança.
Porém, não tão longe daqui, num reino em que o irmão não é o apoio, o vizinho não é o amigo e o colega de trabalho não a pessoa indicada para confiar, a Polícia é um desconhecido cuja face por trás da máscara tanto pode ser de mocinho quanto de bandido. E agora? E agora quero comentar um filme que se tornou mania nacional em poucas semanas, mesmo antes do lançamento: Tropa de Elite
Se você é uma das pessoas que ainda não viu, começo contanto um pouquinho sobre o filme. A obra conta a história real de uma operação do Batalhão de Operações Policiais Especiais – BOPE - para acabar com uma gangue de traficantes em uma favela próxima à casa do arcebispo do Rio, pouco antes de uma visita do papa ao Brasil, em 1997.
Para alguns o nível de corrupção é surpresa, para outros normalidade, o fato é que o filme, baseado na história real de dois capitães, expõe de forma clara como os policiais são corrompidos por dinheiro, em troca de armas, favores ou imunidade aos traficantes das favelas. A história se passa no RJ, mas esta é uma realidade de diversas capitais brasileiras e até mesmo de algumas cidades menores.
A idéia inicial do cineasta José Padilha era produzir um documentário baseado no livro Elite da Tropa, do sociólogo Luiz Eduardo Soares e dos oficiais do BOPE André Batista e Rodrigo Pimentel. No entanto, percebeu que seria impossível encontrar policiais que aceitassem dar depoimentos sinceros sobre os fatos descritos no livro e optou pela ficção, que no entanto é fiel às histórias do livro.
De qualquer forma, o BOPE é a tropa de elite por ser ainda o esquadrão temido pelos traficantes e visto como incorruptível. Para conseguir que somente homens honestos entrem para o batalhão, o filme, inclusive, retrata a crueldade dos testes de ingresso. De cada centena, apenas um ou 2 terminam por serem aceitos. Um a um, como pinos de boliche, vão sendo derrubados, e isto por iniciativa própria.
O grande trunfo do filme é que a polícia aparece realmente como é, muitas vezes corrupta, mas também imprescindível para lutar contra o tráfico de drogas e ainda com pessoas preocupadas com a honestidade. Ao mesmo tempo, isto de certa forma até brutal. Por sua vez, os traficantes aparecem sem romantismo, como encontramos em diversos livros e até filmes, mas terrivelmente violentos e dispostos tudo para controlar o seu “mercado”. De outro lado, também esbofeteia em cheio a classe média, que financia o tráfico através do consumo desenfreado de drogas.
É impossível ficar indiferente. Os sentimentos se confundem e é preciso pensar muito para se posicionar. Aplaudir de pé, se incomodar com as cenas de tortura, sentir nojo ou indignação – isto para citar algumas das reações mais comentadas pelos espectadores.
A repercussão foi tanta, no Brasil e no exterior, que mesmo antes de ter sido lançado era possível encontrar a cópia do filme em camelôs ou baixar pela internet. Milhões de pessoas conheceram a história muito antes do lançamento oficial – dia 12 de outubro.
Em entrevista, o diretor afirmou que não busca “culpas, mas relações de causa e efeito. A polícia não existe no vazio. Ela é o que é e faz o que faz por causa da sociedade que a moldou”. E isto diz respeito a cada um de nós, por isso acho imprescindível conhecer e discutir qual será nossa contribuição para esta realidade.