sábado, 10 de novembro de 2007

Brilho Eterno de uma mente sem lembranças

Ah, se tudo se resumisse a selecionar e apertar a tecla “del”...faríamos algumas pastas, compartimentos secretos, e para a lixeira iria tudo aquilo que povoa de ‘vírus’ nossa memória.
Uma demissão. Uma decepção. Uma ausência. Sobretudo, aquela dor insuportável que aperta o coração quando o amor não é mais amor. E como custa a passar. Dói o cotovelo, o ombro, a cabeça, a alma.

Possível? Sim, pelo menos na cabeça do roteirista Charlie Kaufman, de “Brilho eterno de uma mente sem lembranças”, dirigido por Michel Gondry. Alguém aí quer marcar hora?

Quanto custa? O próprio filme conta. Custa dezenas de piqueniques. Centenas de noites de amor. Milhares de beijos de cinema. De potes de sorvete. De barras de chocolate. De jantares românticos. Coloque tudo isso na poupança, junte as lágrimas que você derramou e aquela dorzinha e troque pela paz.

Confesso que não me impressionei com o tamanho da fila de espera de pessoas que desejam apagar lembranças indesejáveis.

Após juntar tudo. Presente, roupas, fotos, músicas, tudo mesmo, Clementine (Kate Winslet), decide apagar Joel (Jim Carrey). Quando o moço descobre, após tentativas frustradas de reconquistá-la e muitos soluços abafados pelo travesseiro, decide fazer o mesmo.

Quase a totalidade do filme se passa, então, na mente de Joel, enquanto desesperado percebe que “deletar” tudo da memória não era bem o que queria. Aos poucos toma consciência de que é parte da própria vida que está apagando. Queria que a dor passasse, que o amor acabasse, e não que parte de si se esgueirasse, como um ratinho que foge da ratoeira e some.

Na hora do desespero, todos somos um pouco Joel e Clementine. Muitos de nós estaríamos na fila, se o processo existisse de fato.

É ficção, comédia, drama, mas, sobretudo, uma linda história de amor que tem todos os argumentos possíveis para ser real. Nada de tudo certinho, beijos apaixonados e um jantar a luz de velas para finalizar o conto de fadas. Mas dificuldades, discussões, dor, insegurança, a consciência de que o outro não é a perfeição em pessoa e ainda assim um amor incondicional. Alguém já ouviu essa história antes?

Viver nunca é fácil. Amar, menos ainda. Encontramos no filme um motivo para refletir sobre as relações cada vez mais superficiais. Alguns “pés-na-bunda” e somos compelidos a um contingente de pessoas cada vez mais receosas, que namoram esperando nada, casam já pensando que se não der certo há a separação. Errando a gente aprende. Você já ouviu isto milhares de vezes. Chorar faz parte da vida, assim como sorrir ou dormir. Pergunte a um velhinho de 90 anos qual é a coisa mais importante e ele lhe dirá, sorrindo.

Amar sem medo de se entregar é algo cada vez mais raro. Confundimos compromisso com prisão e na busca da liberdade nos tornamos prisioneiros do medo de sofrer. Carlos Drummond de Andrade resume este sentimento a uma frase "A conquista da liberdade é algo que faz tanta poeira, que por medo da bagunça, preferimos, normalmente, optar pela arrumação."

No nosso mundinho arrumado, embora sempre tendo que ser restaurando, estancando brechas que deixam a enchente do amor passar, o filme deixa claro que podemos apagar as memórias da mente, mas jamais os sentimentos da alma.

Assisti ao filme a pouco mais de uma semana, mas aqui está ele. Ajudando para que as palavras se combinem, tomando café comigo, indo para a cama, e me ajudando a organizar minha bagunça diária ou não ter medo da desordem.

E o amor... ah, o amor...

"...que não seja eterno, posto que é chama,mas, que seja imortal, infinito, enquanto dure..." (Vinícius de Moraes)

Um comentário:

Anônimo disse...

excelente!
muito boas as citações e as antíteses
abraço